terça-feira, 12 de setembro de 2017

Fazendo obra: cada dia é um 7x1 diferente

Ao som de um bolero, não, ao som da serra elétrica. Não. Demorei a entender que o que infiltrava meu cérebro tão cedo de manhã era a furadeira dos armários que chegaram. A mudança que nunca acabava, e a luz no final do túnel de uma gestação conturbada e repleta de poeira que vivi nos últimos nove meses finalmente parecia chegar ao fim. Ou assim pensei.

Ao abrir a porta não foi o choque de luz que fez minhas pupilas implorarem para serem fechadas novamente. Para cada olho que não queria abrir, um motivo com nome e sobrenome: o Pateta e o Palhaço. Ficarei devendo os sobrenomes. Sabe como é: a irritação já tinha partido para apelidos que apaziguassem a raiva. Um, dois, três, com mais calma segui para a cozinha.

Tomaram meu café, e nem para lavar a xícara. Quatro, cinco, seis. Respira.

Um estrondo cortou o ar. Mitra, minha gata, apareceu correndo, descendo as escadas como um relâmpago, fazendo suas manchas virarem apenas um borrão na sala, por alguns segundos. Quando ela parou, só pude dizer: conte até dez e respira fundo, meu amor.

Seu pelo eriçado abaixou um pouco com o som da minha voz, no entanto deixou os rastros na espinha dorsal da gata, assim como os meus. Não ia dar para fugir, eu ia ter que encarar. No caminho para onde veio o estrondo, pela porta aberta do quarto pude ver que já haviam instalado as portas dos armários do meu quarto. Bom sinal, eu poderia ao menos trocar de roupa e adiar por alguns minutos o encontro. As portas pretas, altas, bonitas e imponentes, novinhas. Cheias de arranhados brancos. Como? Sim. Difícil. Beirando o impossível. Alguém poderia argumentar: Acontece! Foi o que eu pensei também, na primeira vez! Agora, na terceira, nem tanto...

Meu vizinho ainda estava eufórico por causa do jogo do Cruzeiro que acontecera na noite anterior. O escutei falando ao telefone com um amigo, urros de satisfação com o gol que bateu na trave, e contra todas as chances a bola entrou, e o campeão voltou. Não saberia ao certo descrever. Só sei que três vezes vieram trocar as portas manchadas. Por outras três portas arranhadas.

Troquei-me e subi cada degrau como se fosse o Everest, em direção aos armários da sala. Faltando três para chegar, congelei, como se uma avalanche se aproximasse. Não estava preparada e sabia. Sete, oito, nove. Com um impulso contra todo o instinto em meu corpo de fugir para sobreviver subi mais um degrau, e o outro, e o outro.

Não sei se o choque que foi grande demais, mas a expectativa versus a realidade contrastou de tal maneira que até engasguei. Por sorte, o corrimão ao meu lado impediu que eu caísse escada abaixo antes de ver um milagre.  Um belo armário cobria a parede da sala, nenhuma porta arranhada. Nenhuma mancha. Boa escolha, bela cor, excelente tamanho. Parecia que eu também, depois de meses, havia feito um gol.

Foi quando notei: o Pateta e o Palhaço estavam do lado, sorrindo meia boca, tentando disfarçar algo indisfarçável. Atrás deles estava a porta, sim, eu disse uma porta inteira de vidro, rachada ao meio de fora a fora, segurada apenas pela boa vontade do ar.

Não importava o Cruzeiro, o Atlético, ou os fulanos todos do futebol. Eu estava vivendo meu próprio 7 a 1, e ele estava sem data pra acabar.