sexta-feira, 19 de maio de 2017

O Tal do Tempo

Um dia fiquei sabendo que meu avô estava morrendo. Era oficial. 
Não estranhe minha maneirar de falar mas, com 98 anos, era impossível não ficarem todos com uma pontinha de si aguardando o finalmente.

Em julho fui visitá-lo e por coincidência Dona Aracy morreu naquele fim de semana. Era uma senhora, conhecida de todos da cidade e amiga de vários. Tentamos não contar pro vovô o acontecimento, mas sabe como é cidade de interior: quando menos se espera, um carro de som BERRA na porta de todas as casas o acontecimento e o agradecimento da família. Conseguimos desviá-lo das primeiras vezes que o carro com o anúncio passou na casa de vô, mas na décima vez não teve jeito.
“Aracy morreu? ...”

O silêncio reinou na sala, não tinha mais como negar, e sendo mais uma de suas amigas, conhecidos de longa data, e das últimas que restavam pra compartilhar de uma vida distante, outro século, outra história, só nos restou mesmo o silêncio.
Não esqueço dele parado no meio da sala apoiado em sua bengala, e a feição que deixava claro seu pensamento: “Mais um...”

Alguns meses depois voltei lá para passar o natal com a família e, claro, com o mais importante de todos, meu avô.
Nossa família é enorme e, entre barulhos, risadas, cervejas e leitões à pururuca escutava-se muitos sussurros de “...esse deve ser nosso último natal aqui...”. 
Do vovô: só veio o silêncio.

Em sua poltrona já gasta e sem cor, ele fez uso de poucas e raras palavras. Não por dificuldade! Meu avô era feito de 98 anos de história e uma língua afiadíssima. Tão afiada que na hora de despedirmos, meu pai disse: “Setembro estou de volta, Seu Florival”, no que vô rebateu: “Você fique à vontade para voltar, mas eu já terei cascado fora!”
Eu ri, achei hilário. Talvez tenha sido um riso de nervoso também.  

No dia anterior havia comentado com um tio que não preciso viver tanto assim, fato que sempre acreditei. (Sou um tanto quanto melancólica, dessa tal de geração Rivotril, com todas as facilidades do mundo e eternamente numa crise existencial.)

Ouvi então, a única resposta que mudou meu pensamento até hoje, talvez por ter vindo com uma sinceridade intensa de quem já chegou nesse ponto: “Quando você chegar nos 60 vai ver que quer sim, viver o máximo de tempo que te permitirem.”
No silêncio do vô, talvez fosse isso que pairava no ar: Um desejo por mais tempo, misturado na exaustão de estar aqui há tanto tempo.

Em fevereiro ele se foi. Foi contar uns bons causos para Dona Aracy, e matar a saudade da minha avó, que há muito o aguardava. 
E pra gente, resta esperar, e lembrar sua risada que ecoa, lá longe, em Espinosa.

"As andorinhas voltaram
E eu também voltei
Pousar no velho ninho
Que um dia aqui deixei..."


segunda-feira, 15 de maio de 2017

Por que só eu falo o tempo todo???


Ok, pedi aos universitários para ajudar nessa!!

Dos primeiros leitores do livro Nem Fred explica recebi uma resenha do livro vinda de outros olhos, porque cada um vê de um jeito, né! 

E veio tão sincera e generosa que eu quase chorei.

“Depois de uma tragédia familiar, um filho adulto se vê diante de seus traumas devido ao ocorrido e a dificuldade de seguir com a vida e seus relacionamentos, trabalho, sentimentos internos e dilacerantes que o faz percorrer com resistência esses conflitos internos.
Nesta história farta de sentimentos e expectativa, somos levados ao desejo do personagem de resolver seus mais íntimos desejos, bloqueados até então devido à força de seus sentidos e, ao mesmo tempo, à racionalidade da vida cotidiana.

Uma narrativa poderosa e repleta de grande mobilidade, onde urge como fogo a necessidade mais complexa do ser humano, de sentir a chama da vida e a liquidez de seus temores para chegar numa melhor forma de viver e sentir, com o amor de quem o conhece e o esclarecimento dos mais altos sentimentos humanos”. 
Marisa Antunes é psicóloga e leitora voraz.




sexta-feira, 5 de maio de 2017

Por que Nem Fred Explica?


Se nem ele sabe, imagina eu.

Mas o Fred da pergunta é do outro quase xará mesmo. Só uma brincadeira de quem é filha de psicanalista. Brincadeira que começou como risada e com o título, e acabou séria em forma de livro.

De um dia, uma notícia de gente que eu nem conhecia, e aí o mundo sacudiu, a perspectiva mudou, e o choque assombrou o sono. Essa escrita doeu. Em vários momentos, mesmo com suas poucas páginas.

É que ainda não controlo meus livros. OK! Voltamos aos primeiros “Por quês”, esse momento pede um clichê: Escrevo sobre o que mexe comigo. A Maria, de “Em um Canto da Vida”, nasceu de uma coisa boa, de uma sala de espera e uma imagem de uma floresta.

Já o Fred nasceu de uma notícia bem negativa, que eu não posso contar sem falar demais e estragar o livro para quem ainda não leu. O bom da escrita é que no final, independente de ter final feliz ou não, é sempre bom. Ge-ne-ra-li-zei sim! Sempre. Pode não virar best-seller, aliás, pode nem virar livro de papel, mas vira a gente de cabeça para baixo e recompõe tudo no final.

Arranca um pedaço e deixa outro, maior e mais interessante no lugar.


Por isso: Nem Fred Explica!!!!


terça-feira, 2 de maio de 2017

Por que dos livros? Para que escrever?

Tem pergunta que não tem resposta, e outras perguntas tem só umas mil.
Nesse caso: marque todas as alternativas acima, esse é o caso!
Não houve planejamento, nem ambição. Houve um passatempo que virou forma de comunicação e depois transformou e criou raiz em mim. Um jeito de expressar, de conversar, e o velho viajar no nível mais pleno. 
E mais barato, né?!!

Nem sempre é bom, e sempre é ótimo. Mas é que às vezes dói. Dói uma dor boa, de conversar com a terapeuta, e dói uma dor sofrida, suada, de discutir consigo mesmo. Como aquela resposta que você não deu durante a discussão e depois se arrependeu, ensaiando de frente para o espelho o que devia ter sido dito. 
Tem vez que no papel a resposta sai. E no papel dói mesmo assim, te faz levantar a mão para o céu e agradecer por ter ficado calado. 

É como fotografar, e olhar para a foto anos depois. 
Lembrar-se de tudo que te levou para aquela fotografia e enxergar o todo que não foi dito pelo sorriso estampado, mas sim pelas sombras discretas no fundo da imagem.