segunda-feira, 6 de junho de 2016

Um Bacanal Só

A gente nasce e com 5, 15, 20, 30 ou 60 anos de idade descobre o verdadeiro talento. Se tivermos sorte o talento se une à vocação e voilá: faz-se uma carreira realizadora. Mas no meio do caminho um turbilhão de bifurcações, opções, interesses, deslumbramentos, raivas, loucuras e momentos de total descrença pessoal acontecem.
Ao menos essa é minha história – só falta chegar na parte da carreira realizadora.

No meu amor pela natureza e pela vida (leia-se seres vivos que não sejam humanos) passei pela Veterinária e Biologia. Amarei os dois até morrer, mas não vinguei em nenhum. Namorei a História, flertei com a Filosofia, considerei a Letras, quase casei com o paisagismo, apaixonei loucamente com a Fotografia e parei na Escrita. Haja coração!
Ah, a escrita... e a leitura... e as palavras... e essa língua portuguesa de descabelar qualquer um com as novas regras.... Uma piscadinha charmosa de novo pra Letras e de repente estou num curso de Gestão de Negócios?!

Oi? Louca! De letras para finanças. Pois é, a triste realidade. Até para os sonhos é preciso planejar e, para o futuro, é preciso o agora. E o agora ficou para eles: Números e cálculos, os únicos que nunca olharam duas vezes para mim - um desprezo recíproco.
O bom disso tudo: muitos anos de vida pela frente para trocar umas carícias com a Geografia nas viagens porque ainda existem muitos mares por aí que eu quero nadar.
Só não pode afogar.


quinta-feira, 2 de junho de 2016

O Tal do Tempo


Hoje fiquei sabendo que meu avô está morrendo. Agora é oficial. 
Não estranhe minha maneirar de falar mas, com 97 anos, é impossível não ficarem todos com uma pontinha de si aguardando o finalmente.

Em julho fui visitá-lo e por coincidência Dona Aracy morreu naquele fim de semana. Era uma senhora, conhecida de todos da cidade e amiga de vários. Tentamos não contar pro vovô o acontecimento, mas sabe como é cidade de interior: quando menos se espera, um carro de som BERRA na porta de todas as casas o acontecimento e o agradecimento da família. Conseguimos desviá-lo das primeiras vezes que o carro com o anúncio passou na casa de vô, mas na décima vez não teve jeito.
“Aracy morreu? ...”

O silêncio reinou na sala, não tinha mais como negar, e sendo mais uma de suas amigas, conhecidos de longa data, e das últimas que restavam pra compartilhar de uma vida distante, outro século, outra história, só nos restou mesmo o silêncio.
Não esqueço dele parado no meio da sala apoiado em sua bengala, e a feição que deixava claro seu pensamento: “Mais um...”

Alguns meses depois voltei lá para passar o natal com a família e, claro, com o mais importante de todos, meu avô.
Nossa família é enorme e, entre barulhos, risadas, cervejas e leitões à pururuca escutava-se muitos sussurros de “...esse deve ser nosso último natal aqui...”. 
Do vovô: só veio o silêncio.

Em sua poltrona já gasta e sem cor, ele fez uso de poucas e raras palavras. Não por dificuldade! Meu avô é feito de 97 anos de história e uma língua afiadíssima. Tão afiada que na hora de despedirmos, meu pai disse: “Setembro estou de volta, Seu Florival”, no que meu vô rebateu: “Você fique à vontade para voltar, mas eu já terei cascado fora!”
Eu ri, achei hilário. Talvez tenha sido um riso de nervoso também.  

No dia anterior havia comentado com um tio que não preciso viver tanto assim, fato que sempre acreditei. (Sou um tanto quanto melancólica, dessa tal de geração Rivotril, com todas as facilidades do mundo e eternamente numa crise existencial.)
Ouvi então, a única resposta que mudou meu pensamento, talvez por ter vindo com uma sinceridade intensa de quem já chegou nesse ponto: “Quando você chegar nos 60 vai ver que quer sim, viver o máximo de tempo que te permitirem.”
No silêncio do vô, talvez seja isso que paire no ar: Um desejo por mais tempo misturado na exaustão de estar aqui há tanto tempo.


E pra mim, resta a torcida que tenhamos mais um pouquinho dessa língua afiada, dos causos de quem já viveu bastante e de uma risada gostosa que ecoa numa sala distante, lá longe em Espinosa.