Em mim, o alarme gritava: vai perder os
ovos! Vai perder os ovos!
Não sei se foi sonho, mas a lembrança
era forte: vai perder os ovos!
Bom dia para mim, quarentona na
quarentena. Casa vazia, arrumada, como eu gostava e como eu escolhi. Abri a
geladeira, peguei dois ovos e quebrei na vasilha.
Misturei, observando o
amarelo se entremear no translúcido claro, e o barulho chiado da frigideira ao
receber aqueles ovos perfeitamente saudáveis. O café quente na goela umedeceu
toda a secura da noite.
Menos sal e mais pimenta, para acelerar
o ritmo da paradeza. Do lado de fora, na pequena varanda do apartamento,
máscaras de tecido penduradas com desenhos de pintinhos amarelos, nuvens
desenhadas, arco-íris coloridos.
Uma cólica remexeu minhas entranhas. Desliguei
o fogão e segui para o banheiro. Enquanto urinava todo o acúmulo da noite, ouvi
vindo do lado de fora as buzinas e panelas, e os gritos da ferocidade humana.
Quando me levantei, veio o sonho na
lembrança ainda fresca, ao olhar praquela água avermelhada: vai perder os ovos!
Vai perder os ovos! Perdi mais uma vez. Mais um mês. O som da descarga se
misturou aos das buzinas, enquanto meus ovos ditos velhos se despediam ao som
de ovos estragados que vagavam por aí. E para o café, ovos mexidos.