Hoje fiquei sabendo que meu avô está morrendo. Agora é oficial.
Não estranhe minha maneirar de falar mas, com 97 anos, é impossível não
ficarem todos com uma pontinha de si aguardando o finalmente.
Em julho fui visitá-lo e por coincidência Dona Aracy morreu naquele fim
de semana. Era uma senhora, conhecida de todos da cidade e amiga de vários.
Tentamos não contar pro vovô o acontecimento, mas sabe como é cidade de
interior: quando menos se espera, um carro de som BERRA na porta de todas as
casas o acontecimento e o agradecimento da família. Conseguimos desviá-lo
das primeiras vezes que o carro com o anúncio passou na casa de vô, mas na
décima vez não teve jeito.
“Aracy morreu? ...”
O silêncio reinou na sala, não tinha mais como negar, e sendo mais uma
de suas amigas, conhecidos de longa data, e das últimas que restavam pra
compartilhar de uma vida distante, outro século, outra história, só nos restou
mesmo o silêncio.
Não esqueço dele parado no meio da sala apoiado em sua bengala, e a
feição que deixava claro seu pensamento: “Mais um...”
Alguns meses depois voltei lá para passar o natal com a família e,
claro, com o mais importante de todos, meu avô.
Nossa família é enorme e, entre barulhos, risadas, cervejas e leitões à
pururuca escutava-se muitos sussurros de “...esse deve ser nosso último natal
aqui...”.
Do vovô: só veio o silêncio.
Em sua poltrona já gasta e sem cor, ele fez uso de poucas e raras
palavras. Não por dificuldade! Meu avô é feito de 97 anos de história e uma
língua afiadíssima. Tão afiada que na hora de despedirmos, meu pai disse:
“Setembro estou de volta, Seu Florival”, no que meu vô rebateu: “Você fique à
vontade para voltar, mas eu já terei cascado fora!”
Eu ri, achei hilário. Talvez tenha sido um riso de nervoso
também.
No dia anterior havia comentado com um tio que não preciso viver tanto
assim, fato que sempre acreditei. (Sou um tanto quanto melancólica, dessa tal
de geração Rivotril, com todas as facilidades do mundo e eternamente numa crise
existencial.)
Ouvi então, a única resposta que mudou meu pensamento, talvez por ter
vindo com uma sinceridade intensa de quem já chegou nesse ponto: “Quando você
chegar nos 60 vai ver que quer sim, viver o máximo de tempo que te permitirem.”
No silêncio do vô, talvez seja isso que paire no ar: Um desejo por mais
tempo misturado na exaustão de estar aqui há tanto tempo.
E pra mim, resta a torcida que tenhamos mais um pouquinho dessa língua
afiada, dos causos de quem já viveu bastante e de uma risada gostosa que ecoa
numa sala distante, lá longe em Espinosa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário